Desigualdades em movimento: o problema da (falta de) Mobilidade Social no Brasil e a necessidade de se repensar a economia e o tratamento da desigualdade, por Clara Brenck
O Brasil é sabidamente um país com níveis de desigualdade elevados e persistentes. Durante os anos de 2003 - 2013, parecia surgir uma esperança de que a desigualdade no Brasil finalmente iria diminuir: o salário mínimo real cresceu 73% se deflacionado pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) e o índice de Gini passou de 0.57 em 2003 para 0.52 em 2014, resultado principalmente das políticas de redistribuição de renda dos governos do PT. Contudo, logo após 2014, o país entrou na mais longa crise econômica de sua história que, juntamente com o abandono de algumas das políticas adotadas no período anterior, reverteu os ganhos distributivos deste período. Para piorar a situação, a pandemia do Novo Coronavírus atingiu fortemente a população de baixa renda, em situação de maior exposição e vulnerabilidade ao vírus.
Numa visão dinâmica da economia, a desigualdade pode se traduzir no problema da mobilidade social. A mobilidade social é uma medida não estática da perpetuação da desigualdade, em que quanto menor a mobilidade entre as classes de renda, mais difícil é reduzir a desigualdade no tempo. Além disso, a Mobilidade Social é uma medida de desigualdade de oportunidades, em vez das medidas tradicionais de desigualdade de resultado (ou seja, desigualdade de renda).
Em todas as economias, as crianças nascidas em famílias menos ricas tendem a enfrentar maiores barreiras ao sucesso do que aquelas nascidas em famílias mais ricas. Essas desigualdades de oportunidade podem se enraizar e fomentar desigualdades econômicas de longo prazo, bem como profundas divisões econômicas e sociais. (World Economic Forum, pg. 10)
O Fórum de Economia Mundial (World Economic Forum), em seu último Relatório Mundial de Mobilidade Social de 2020, classificou o Brasil como 60º no ranking de Mobilidade Social. O índice criado por eles é organizado em torno de 10 pilares distintos - instituições inclusivas, saúde, acesso à educação, qualidade e equidade da educação, aprendizagem ao longo da vida, proteção social, acesso à tecnologia, oportunidades de trabalho, salários justos e condições de trabalho.
Em um país em que as notícias sobre crianças baleadas em favelas durante operações policiais parecem nunca acabar, a desigualdade de oportunidades é óbvia. Quando lembro de todos aqueles nomes de crianças que perderam suas vidas nessas situações -- Ágatha Félix, João Pedro Matos Pinto, Kauã Vitor da Silva, e, mais recentemente, as duas primas Emilly Victoria e Rebecca Beatriz, dentre vários outros -- me vem, junto à indignação, um questionamento de como mudar esta situação de vulnerabilidade dessas crianças e suas famílias. Me parece que o problema aqui vai muito além da falta de renda: ele passa pelo preconceito, pela desvalorização da vida dessas pessoas, pelo abandono do Estado (ou pela violência causada pelo próprio Estado).
Tendo em vista estes vários aspectos, relevantes para a mobilidade social e para a vida das pessoas, me questiono porque nós, economistas, focamos tanto apenas em um aspecto desta desigualdade: a desigualdade de renda. É claro que a desigualdade de renda é parte do problema da desigualdade de oportunidades: crianças nascidas em famílias de maior renda começam muitos metros na frente na corrida por boas condições de vida, educação de qualidade e, consequentemente, por altas rendas. Mas pensar os processos pelos quais a desigualdade de renda se manifesta é essencial para pensar nos meios de superá-la. Dito de outra maneira, entender a estrutura social por detrás desta desigualdade de resultado pode clarificar várias das nossas perguntas e apontar para soluções mais efetivas.
Programas de transferência de renda, por exemplo, são importantes, mas não são suficientes para reduzir a pobreza de longo prazo. A principal razão para isso é que, normalmente, eles não rompem a estrutura social em que essas famílias empobrecidas - garantem principalmente a sobrevivência da família, o que é um “primeiro passo” indispensável na luta contra a pobreza. Além da continuação de tais políticas - o contrário do que tem feito nosso país - é também necessário pensar formas de rompimento dessa estrutura política e social enraizada em nossa sociedade.
Todo processo de redução ou aumento da desigualdade está inserido em um contexto social e político específico, e compreender tais condições e suas origens históricas é essencial -- o que torna igualmente necessário a introdução de novas ideias, de diversidade (como argumenta Luiza Nassif em um texto publicado pelo Desajuste) e a inserção destas pessoas nos órgãos que pensam as políticas públicas. Neste sentido, não existe uma única teoria ou política verdadeira, que se aplica a todos os casos e em todas as sociedades. A ideia de que a economia está “embutida” no social, oriunda de Mark Granovetter e tão óbvia para os acadêmicos da sociologia econômica, nem sempre parece natural para os economistas. Pensar fora da curva da economia e abranger novas metodologias de análise pode abrir um caminho frutífero de pesquisa e debate econômico.
Referências: GRANOVETTER, Mark. Economic action and social structure: The problem of embeddedness. American journal of sociology, University of Chicago Press, v. 91, n. 3, p. 481–510, 1985. WEF. World Economic Forum. The Global Social Mobility Report 2020: Equality, Opportunity and a New Economic Imperative. [S.l.], 2020.
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