Lembrar sempre, esquecer nunca e comemorar jamais!

Há 57 anos, no dia 01/04/1964, se consumava um golpe de Estado no Brasil. Apoiada por uma aliança conservadora entre militares, setores do poder judiciário, da sociedade civil e da mídia, a ditadura que durou 21 anos foi responsável por prisões políticas, torturas e assassinatos, desaparecimentos e exílios. Gerou um aumento brutal da desigualdade no país e nos legou uma recessão profunda. Sob o pretexto falacioso de eliminar uma inexistente ameaça comunista e uma caricatura corrupta construída sobre os governos populares, a elite brasileira mobilizou sentimentos conservadores para viabilizar seu projeto de poder de maneira autoritária. A necessidade de reformas econômicas “urgentes” contra “aqueles que quebraram o país” foi, do ponto de vista intelectual, uma das justificativas para levar os militares ao poder. 

As sucessivas tentativas de criminalizar movimentos sociais, organizações políticas e qualquer tentativa organizada de defesa dos direitos humanos caracteriza o momento que estamos vivendo, mas remetem a lógica que operou ao longo do regime iniciado em 1964. A Ditadura, portanto, foi uma aliança civil-militar não só de tomada de poder, mas de efetivar, a partir do controle do Estado, uma política de repressão às liberdades individuais e coletivas para atender aos interesses de uma minoria. A participação de mais de 80 empresas em atos de espionagem, delação e tortura por um lado e a complacência da imprensa com o regime de outro, são retrato do engajamento que parte da sociedade civil teve em sustentar o autoritarismo em nosso país. 

Vivemos um momento delicado em que é necessária cautela nas comparações, mas não é possível ignorar a movimentação autoritária de hoje como uma reedição tenebrosa do que foi 1964. Para além da similaridade das narrativas, é fato que o presidente eleito em 2018 com o apoio do mercado sempre defendeu o regime militar e seus torturadores. A elite brasileira e seus veículos de disputa ideológica abriram espaço para um genocida em nome de interesses particulares, de reformas  genéricas e da chance de se verem livres da participação política do campo popular. O autoritarismo nem sempre vem com data marcada. Os processos são cumulativos e, por vezes, até mesmo aqueles que ajudaram a criar o golpismo, são vítimas da barbárie. 

O exercício da economia enquanto ciência social, bem como ciência norteadora para tomadas de decisão e formulação de políticas públicas, exige liberdade de pensamento e direito à discordância. As recentes tentativas de silenciar servidores do IPEA, constranger o debate em universidades e institutos federais, a inviabilização financeira da realização do Censo Demográfico pelo IBGE e as ameaças aos economistas da IFI mostram que o autoritarismo já se alastrou pelo Estado e carrega consigo consequências reais para o próprio exercício de nossa profissão. Não estamos à beira de um golpe, estamos imersos em um período de exceção, em que crimes são cometidos diariamente, liberdades são ameaçadas e a vida do povo brasileiro segue em constante perigo. 

Nossa solidariedade aos brasileiros e às brasileiras que hoje são vítimas da fome, do vírus e do autoritarismo. Nossa solidariedade aos familiares e às vítimas da ditadura civil-militar de 1964, àqueles e àquelas que foram exiladas, perseguidas, torturadas e mortas por pensarem que um país democrático era possível. Em especial, a quem exercia ou buscava poder exercer a profissão de economista. 

Aos nossos mortos nem um minuto de silêncio, mas uma vida inteira de luta. 




Coletivo Desajuste

Nota assinada conjuntamente pelos integrantes do Coletivo Desajuste. Lembrar sempre, esquecer nunca e comemorar jamais!



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