China e Brasil: desafios para a estratégia política comercial brasileira, por Juliana Brandão

País de maior investimento direto no Brasil e seu maior parceiro comercial, a China vem se consolidando nos últimos vinte anos como a grande potência econômica no mundo. Somente na América Latina, ela é o destino de 10% das exportações totais do subcontinente, e no Brasil, cerca de 33,7% das exportações agrícolas, de acordo com dados de janeiro de 2021 da Secretaria de Comércio Exterior. A importância de analisar a relação comercial do país com o Brasil, bem como seu dinamismo e sentido, aumentam proporcionalmente à expansão chinesa em movimentar a economia brasileira. 

A pandemia da Covid-19 levantou questões importantes para a análise da interação Brasil-China. Com a diminuição dos investimentos chineses na América Latina como um todo, acentuou-se o processo de reprimarização das economias da região, especialmente a brasileira, a qual só apresentou resultados positivos no setor agropecuário no ano de 2020. Tais resultados tornam cada vez mais urgente o desenvolvimento de estratégias para neutralizar e amenizar os efeitos limitados das cadeias exportadoras de commodities agrícolas nesse contexto. 

Atualmente, a forma passiva como o Brasil se insere no comércio mundial e a volatilidade dos preços dos produtos exportáveis configuram elementos que dificultam avançar para um projeto diferente do caminho da reprimarização. O atual governo brasileiro se coloca à parte dos esforços de integração e cooperação com a América do Sul, se tornando cada vez mais vulnerável à pressão do mercado internacional e dos conflitos extrarregionais, logrando pouco e muito menos do que poderia caso adotasse uma política mais pragmática a partir das tensões comerciais e de tecnologia entre EUA e China. Mais do que nunca, é necessário retomar a busca por autonomia e participação ativa no mercado global, elementos que podem ser facilitados pela oportunidade diplomática trazida pelo peso da crescente presença chinesa e de sua diplomacia.

Recentemente, o boom das commodities levantou mais uma vez o papel do padrão comercial para o alcance da referida autonomia diante das pressões e oscilações do mercado global, e no Brasil, assim como em muitos países da América Latina, a análise dos aspectos macroeconômicos são fundamentais para captar os efeitos dos ciclos para o avanço (ou recuo) da economia em relação a um caminho de autonomia e inserção comercial ativa. 

No Brasil, os efeitos da variação cíclica de preços de produtos minerais e alimentícios em termos macroeconômicas  indicaram uma relação de equilíbrio de longo prazo e  impactos significativos na receita fiscal e no PIB, assim como uma exposição das fragilidades da economia brasileira às flutuações do mercado. Importante observar que efeitos semelhantes puderam ser observados no Chile, país cujo comércio bilateral com a China no setor agrícola também cresceu nos últimos anos. Nota-se, portanto, mais uma evidência sobre a importância de investigar e olhar de perto a presença de padrões comerciais e de efeitos semelhantes da interação com a China, para tornar possível o desenho de políticas integradas capazes de amenizar os processos de desindustrialização e reprimarização das economias latino-americanas.

A compreensão das diferenças em volatilidade e a composição das principais commodities exportadas pelo Brasil para a China (soja, petróleo e minério de ferro) também são fundamentais para desenhar estratégias integradas, especialmente no que diz respeito ao tipo de commodity a ser priorizada. 

A decomposição de preços de commodities para metais e agricultura, petrolíferas e não-petrolíferas sugerem que os preços de metais ao longo dos últimos ciclos, apresentaram uma tendência de crescimento a longo prazo que não acompanhou os preços das commodities agrícolas. As commodities petrolíferas possuem uma tendência de longo prazo ascendente em seus preços, tornando-as diferenciadas quando comparadas aos metais e à agricultura.

 Nas últimas décadas, essa tendência se mostrou mais forte e cada vez mais presente, fato que pode ser relacionado à expansão das indústrias de energia e automobilística, e também à financeirização proporcionada por países desenvolvidos que estimulam essa demanda. Se houver um interesse comercial para compor esse mercado, configura-se aí uma lógica de direcionamento do ciclo pelo lado da demanda, a qual teria influenciado significativamente as commodities de metal e petróleo, fontes importantes de materiais para infraestrutura e desenvolvimento de cadeias de produção e urbanização em países desenvolvidos e superpotências como a China, por exemplo (Erten e Ocampo, 2012). 

Commodities essenciais para infraestrutura e urbanização apresentaram superciclos com amplitude bem maior do que as de produtos agrícolas nas décadas recentes, as quais apresentam tendência de preços cada vez menores de ciclos recentes em relação a ciclos anteriores. Vale lembrar que, além da importação de commodities brasileiras para infraestrutura e desenvolvimento de cadeias de produção, a China também influencia a produção de commodities, devido aos investimentos diretos realizados no Brasil. Os investimentos diretos daquele país no Brasil desde 2003, nos setores de petróleo e gás, foram de 26% do total dos investimentos chineses (que ultrapassam US$ 53 bilhões). Desses investimentos, a maior parte proveio de empresas estatais.

A China constitui não somente como um parceiro comercial com gigante potencial de absorção para a nossa produção, mas também como uma porta para uma diplomacia econômica com possibilidades de protagonismo brasileiro, bem como de oportunidades para o melhor aproveitamento dos benefícios do país em nossos setores estratégicos. Portanto, com vistas a usufruir de relações mais proveitosas para a economia nacional com esse parceiro, são necessários múltiplos olhares e abordagens sobre a natureza da nossa pauta exportadora, equilíbrio ecológico, políticas anticíclicas, estratégicas para diminuir os efeitos negativos da nova dinâmica comercial que se apresenta e potencializar os efeitos positivos de uma política comercial pautada em dinamismo social e diversificação produtiva.


Referências

ERTEN, B.; OCAMPO, J. A. Super-cycles of commodity prices since the midnineteenth century. New York: UN/Desa, 2012. (Desa Working Paper,n.110)





Juliana Brandão

Bacharel em Ciências Econômicas pela Universidade Federal do Pará e mestranda no Programa de Pós-Graduação em Economia da mesma instituição. Tem interesse nas áreas de Economia Política, Economia Internacional e Macroeconomia das Desigualdades.



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