Ecologia e Economia Política, por João Vítor Leite Rodrigues
É possível construir, a partir da crítica à economia política de Marx, argumentos que colocam a crise ambiental no cerne da teoria marxiana. Da mesma forma, é possível pensar em como as transformações do sistema econômico capitalista, passando de um modelo concorrencial para sistemas monopolistas/oligopolistas, acarretaram maiores pressões sobre o sistema natural. Em nossa visão, a crise ambiental pode ser (e deve ser) encarada como interligada ao modo de produção capitalista, uma consequência deste sistema, e não um desvio ou ‘falha’ do mesmo.
Uma das raízes da crítica de Marx à economia política seria a distinção entre as categorias ‘valor de uso’ e ‘valor de troca’. Enquanto a riqueza pública e os bens públicos seriam valorados por meio de seus ‘valores de uso’, a riqueza privada seria valorada por meio dos ‘valores de troca’. Neste sentido, uma resultante do processo de produção capitalista seria a apreensão e transformação, por parte das classes dominantes, dos bens públicos – valores de uso – em riqueza privada (valores de troca). Uma consequência disso seria a constatação de que, neste processo, a sociedade perde riqueza pública, em detrimento da criação de riqueza privada (lucro). A dominação sistêmica dos valores de troca sobre os valores de uso, explicitada na fórmula clássica M – C – M’, acontece num processo que é, em essência, incessante. A busca por um lucro que tem como objetivo a geração de mais lucro é um processo que nunca termina. Ao contrário dos recursos naturais e do meio ambiente.
A transformação capitalista, de sua fase concorrencial para sua fase monopolista, traria consigo germes causadores de pressões ainda maiores sobre o meio ambiente. Para esta discussão, podemos nos orientar por meio das elaborações de Thorstein Veblen – economista estadunidense de origens norueguesas, representante da corrente ‘institucionalista’, autor da obra clássica Teoria da Classe Ociosa, que trouxe ao debate categorias como o ‘consumo conspícuo’ e o ‘ócio conspícuo’.
Em um processo de concorrência monopolística, a transformação/apropriação capitalista de riquezas públicas em riquezas privadas se daria em uma perspectiva de preços monopolistas (sem as mesmas pressões concorrenciais para a redução de preços). O aumento da taxa de lucro se daria ou por meio da redução dos custos de produção, ou por meio de um aumento das vendas. Neste circuito, o aumento das vendas seria decorrente majoritariamente de um aumento do volume total das vendas, e não mais de ganhos de parcelas de mercado de outras empresas, tendo em vista que a lógica não é mais a de “ganhar” a concorrência de rivais (sob o capitalismo monopolista/oligopolista, estes virtuais rivais não existem mais da mesma forma de antes). Assim, os custos de produção teriam uma “parcela cada vez maior associada à promoção de vendas em oposição à produção do objeto” (FOSTER, 2012). Esse processo contínuo causaria uma interconexão entre a ‘arte da venda’ e a produção propriamente dita. Ao fim e ao cabo, com a ‘moda dos produtos embalados’, “metade do preço pago pelo consumidor” nos produtos poderia ser decorrente da embalagem (FOSTER, 2012). Ou seja, uma considerável parcela da riqueza privada gerada a partir do meio ambiente seria relativa a uma coisa (embalagem e marketing) que, em suma, “não serve à vida humana ou a seu bem-estar como um todo” (VEBLEN, 1953).
Com isso, o processo de consumir, incentivado a todo tempo para que se aumentem as vendas, é cada vez mais associado a um status, a um prestígio social. Em última instância, um desperdício. Nesta chave, temos “o desperdício econômico tornando-se parte necessária para o funcionamento do capitalismo” (VEBLEN, 1953). Exemplo são os exorbitantes aumentos de gastos em marketing e esforços de venda, e de gastos militares, especialmente durante o período de maior expansão do capitalismo no século XX, ‘os 30 anos gloriosos’.
Criam-se, como ressaltado por Galbraith (1984), um “efeito de dependência”. Mercadorias que são criadas para satisfazer desejos criados por elas mesmas. Uma “produção de mercadoria cria as necessidades que as mercadorias presumidamente satisfazem”.
Neste moinho, denominado ‘satânico’ por Polanyi, o problema constante do sistema cada vez mais necessitar de cada vez mais demanda efetiva resulta na busca por uma expansão do consumo. Em síntese, trata-se de consumo conspícuo ou de desperdício, tendo em vista que não visa ao seu fim um aumento do bem-estar humano, mas sim um aumento da taxa de lucro. Tudo isso, gerando crise e pressão por sobre o meio ambiente.
Schanaiberg (1980), ao elaborar sobre o capitalismo monopolístico, entende que “endereçar o problema ecológico em população, consumo ou tecnologia vai inevitavelmente falhar – uma vez que o real problema era propriamente o moinho de produção”.
Fato é, que as consequências ambientais estão aí, à vista de todos.
¹Texto inspirado na obra do estadunidense John Bellamy Foster (1953), professor do Departamento de Sociologia da University of Oregon, e conhecido por sua contribuição ao debate que inter-relaciona o marxismo, a crítica marxista e a temática ambientalista, notadamente a crise ambiental. Tem como obra mais conhecida A Ecologia Política de Marx: materialismo e natureza (2005). Vinculado à tradição de Paul Sweezy, Paul Baran e Harry Magdoff – estadunidenses de orientação marxista-sraffiana, tem na crítica a teoria do valor e na crítica ao capitalismo monopolista algumas de suas bases.
Referências
FOSTER, John Bellamy (2012). A Ecologia da Economia Política Marxista. Lutas Sociais.
GALBRAITH, John K. (1984). The Affluent Society. New York: New American Library.
SCHNAIBERG, Allan (1980). The Environment: From Surplus to Scarcity. New York: Oxford University Press.
VEBLEN, Thorstein (1953). The Theory of the Leisure Class. New York: New American Library.
Muito bom esse link que se faz sobre a ecologia e o "moinho de produção" e a busca incessante pelo lucro
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