A solução dos transportes para a Economia de Baixo Carbono, por Guilherme de Castro
Em consonância com os textos anteriores do blog do Desajuste que abordaram de alguma forma a Economia de Baixo Carbono, este artigo pretende discorrer brevemente sobre uma das soluções para o problema da redução de emissões ao qual se propõe essa vertente da economia. A mobilidade elétrica já integra o leque de soluções de redução das emissões de gases de efeito estufa (GEE) em muitos países, e para o Brasil não deve ser diferente. Embora ainda incipientes, no país existem diversas ações em andamento no sentido de promover uma mobilidade mais sustentável, bem como medidas regulatórias de financiamento, de capacitação profissional, etc.
Inicialmente, o texto procura, de forma não exaustiva, apresentar algumas dessas iniciativas que foram ou têm sido desenvolvidas no país a fim de promover ou garantir a adoção da mobilidade elétrica. Depois, são abordados os caminhos que podem ser adotados para melhorar esse cenário e atender às metas nacionais e internacionais de redução de emissões, além de estabelecer um mercado de baixo carbono e, consequentemente, uma economia mais sustentável. Conclui-se que ainda há muito o que fazer, mas verifica-se já o nascimento de um mercado, apesar de concentrado em algumas regiões em nível municipal.
Onde estamos?
Não poderíamos abordar qualquer outra iniciativa sem antes falar do compromisso feito pelo Brasil no Acordo de Paris, ratificado em 2016, em que o país se comprometeu, por meio da Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC, sigla em inglês), a reduzir em 37% a emissão dos gases de efeito estufa até 2025, e 43% até 2030, tendo como referência as emissões de 2005, bem como atingir a neutralidade climática até 2060, meta de longo prazo atualizada em 2020. Esse movimento fez com que o mundo visse o Brasil como potencial parceiro em projetos de cooperação para o desenvolvimento, tais como o PROMOB-e, da Deutsche Gesellschaft für Internationale Zusammenarbeit (GIZ) GmbH, Agência de Cooperação do governo alemão, e o Mob-i, do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).
No contexto regulatório nacional, normas e regulamentações tentam organizar ou estimular, de alguma forma, a mobilidade elétrica. Desde 1986, o Programa de Controle de Emissões Veiculares (Proconve) estipula metas de redução de emissão de poluentes por veículos automotores. Além dele, a Política Municipal de Mudança do Clima de São Paulo traçou metas de redução das emissões do município, incluindo a redução do uso de combustíveis fósseis no transporte público como uma das formas de mitigação. Existem também algumas medidas tributárias, como a alíquota reduzida de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para veículos elétricos e híbridos importados. Mas, dentre medidas tributárias, destaca-se a isenção ou desconto no Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) de veículos elétricos em alguns Estados como Mato Grosso do Sul, Piauí, São Paulo, Rio de Janeiro, Maranhão, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraná, Pernambuco e no Distrito Federal. Quanto às medidas regulatórias, a Resolução nº 819/2018 da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) “estabelece os procedimentos e as condições para a realização de atividades de recarga de veículos elétricos”. Constata-se, portanto, que existem medidas em todas as esferas da administração pública: federal, estadual e municipal.
No quesito financiamento, a ANEEL figura como principal instituição fomentadora de projetos em pesquisa e desenvolvimento em mobilidade elétrica, considerados apenas os investimentos públicos. Os projetos da ANEEL representam 65% dos aportes realizados para projetos em mobilidade elétrica relacionados a agências de fomento, bancos e outras instituições de apoio à pesquisa no Brasil, seguidos pelo FINEP (26%), empresa pública que financia estudos e projetos, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
O 1º Anuário Brasileiro de Mobilidade Elétrica resume e analisa alguns dados do Departamento Nacional de Trânsito (DETRAN). O número de licenciamento de veículos elétricos leves de passageiros e comerciais no Brasil, em 2019, foi de 11.205. Um aumento significativo, em vista dos 3.481 licenciados em 2018. A quantidade de veículos elétricos híbridos atingiu a marca de 19 mil unidades, enquanto que os veículos elétricos híbridos plug-in, cuja bateria pode ser alimentada tanto por um gerador interno quanto pela recarga na rede elétrica, alcançaram 3 mil unidades vendidas. E os veículos elétricos a bateria somam por volta de 1 mil unidades. Somados, a frota de carros elétricos e híbridos no Brasil é de aproximadamente 22.919 unidades. Neste mercado, predominam a alemã BMW, com o modelo i3, a japonesa Toyota, com 80% do mercado de híbridos, com os famosos Prius, Corolla e Ra4, seguidas pela sueca Volvo e a alemã Porsche. Essa quantidade de veículos está concentrada no Centro-Sul, com exceção do Distrito Federal, Bahia e Pernambuco.
Quanto aos ônibus, grande solução tanto de redução de emissões como de mobilidade urbana, o Laboratório de Mobilidade da Universidade Federal do Rio de Janeiro (LABMOB-UFRJ), junto com outros parceiros, desenvolveu o E-Bus Radar, ferramenta que mapeia e quantifica os ônibus elétricos em operação na América Latina. Eles são originários, em grande maioria, de contratos de licitação de operadores de frota ou projetos-piloto. Ao todo são 350 ônibus no Brasil, de maioria do tipo Trólebus, aqueles alimentados por cabos, concentrados na Região Metropolitana de São Paulo (314), Campinas (15), Santos (7) e Brasília (6). A título de comparação, apenas a cidade de Santiago, no Chile, possui 776 ônibus elétricos. Há também um mercado de levíssimos, categoria que inclui patinetes, scooters e bicicletas elétricas, outra solução bastante viável para a mobilidade urbana, desde que implementada de forma estruturada e regulada.
Para onde podemos ir?
Corroborando com a visão do colega Matias Cardomingo em seu texto para o Desajuste, “nenhuma mudança dessa dimensão pode emergir (somente) da livre interação entre consumidores e empresas através do mercado”. Nesse sentido, se faz necessário, no mínimo, algum indicativo federal que expresse a inclinação pública em adotar medidas no sentido da eletrificação do transporte, ou mobilidade sustentável - o que seja. O Rota 2030, lei que estabelece requisitos básicos para comercialização de veículos no Brasil, embora tente estimular “formas alternativas de propulsão” e de “eficiência energética”, não foi capaz de fazer uma declaração clara o suficiente no sentido de dar garantias ao setor da mobilidade elétrica, nacional ou estrangeiro, para investir nesta tecnologia no Brasil. Uma Política Nacional de Mobilidade Elétrica clara, assertiva e direcionada pode, a priori, fornecer ao mercado essa segurança institucional necessária para investir na eletrificação da mobilidade no país. Não precisamos ir longe para encontrar exemplos: a Estrategia Nacional de Electromovilidad e a Estrategia Nacional de Movilidad Eléctrica, do Chile e da Colômbia, respectivamente, tornam estes países pioneiros na implementação em larga escala dessa tecnologia na América Latina.
Além deste indicativo, é preciso criar uma infraestrutura para trazer e manter esse tipo de tecnologia. Postos de recarga rápida ao longo de rodovias para viabilizar viagens de longa distância ou mesmo transporte de carga, como nos Estados Unidos; ou uma malha cicloviária capaz de suportar um fluxo de bicicletas, patinetes e scooters, como as de São Paulo ou Brasília; garantir que a rede elétrica seja capaz de suportar picos de tensão em vários pontos das cidades sem desabastecer outros; capacitar profissionais para que estejam habilitados para operar veículos de alta tensão, bem como investir em pesquisa e desenvolvimento; pensar o descarte e segunda vida de baterias; assegurar que a fonte da energia de recarga seja de origem limpa e renovável. Esses e muitos outros fatores devem ser levados em consideração na hora de garantir um ambiente propício para impulsionar a mobilidade elétrica no Brasil.
Dessa forma, vemos que ainda há muito o que fazer, mas já é possível ver o nascimento de um mercado, apesar de concentrado em algumas regiões a nível municipal. Importante ressaltar, também, a necessidade do mercado por uma política nacional que forneça garantias institucionais de investimento, enquanto que o poder público anseia por indicativos de demanda desses veículos, a fim de dar insumos para formulação de políticas. De todo modo, qualquer iniciativa no sentido de tornar a mobilidade no Brasil mais sustentável e reduzir as emissões de gases poluentes é louvável.
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