Meio Ambiente, Desigualdades e Direito à Cidade, por Emanuelle Ferreira


O aumento populacional desordenado das últimas décadas foi catalisador da  condição desigual da sociedade brasileira, a ser notado nas áreas urbanas e grandes  cidades. A necessidade de ocupação de espaços próximos a centros pelos  trabalhadores e a ausência ou baixa eficiência da regulação estatal são históricos  fatores da criação de favelas e periferias, imagens representativas da desigualdade socioespacial e  da negação do direito à cidade em diversos aspectos. As condições ambientais da  ocupação indevida nas cidades também influenciaram em grande escala o impacto climático  nas áreas urbanas, além da intensificação por outros fatores de extermínio dos recursos naturais brasileiros, que em conjunto causam notáveis problemas na infraestrutura dos grandes  centros urbanos.

A regulação municipal proposta no Estatuto das Cidades prevê a elaboração de  Planos Diretores capazes de organizar e gerir os impactos aqui discutidos de forma  localizada nos municípios. Constitucionalmente, a garantia à cidade é parte e complemento dos direitos humanos, como a dignidade da pessoa humana, acessibilidade à saúde,  educação e moradia, e igualdade entre todos, visando à redução das desigualdades.  Nos últimos anos, a criação de políticas públicas visando a pontos para sustentabilidade  e desenvolvimento se mostra - apesar da ainda forte influência do negacionismo e  imobilismo social - crescente. A preocupação com a mobilidade urbana, ampliação de redes de saneamento básico, água encanada e energia elétrica estável pode ser notada em gestões públicas recentes,

Os conceitos de sustentabilidade e desenvolvimento se mesclam na ascensão  da Economia Verde. No entanto, é expressiva a incompatibilidade  das políticas adotadas no governo Bolsonaro com a demanda externa por proteção ao meio ambiente e readaptação da configuração social de forma a respeitar as características locais, gerindo os impactos já causados. O progresso das sociedades vistas como desenvolvidas vem intrinsecamente ligado à inclusão urbana igualitária, exemplificando o  direito à cidade definido por Lefebvre em 1999. A qualidade de vida é estimada em função da qualidade ambiental do meio, o crescimento econômico sustentável é o caminho que vem sendo pautado como forma de manutenção dos direitos humanos  alcançados e a ampliação dos mesmos de forma a erradicar a pobreza em economias  capitalistas. 

A relação entre desigualdades e meio ambiente é amplamente relacionada a  espaços de segregação, onde todos são afetados quando o assunto é desastres  climáticos ampliados, em diferentes graus. É necessária a atenção às questões  específicas da população que tem seu direito à cidade negado devido à ineficiência da  gestão pública para atender a agenda de políticas focadas na redução de danos  ambientais. O futuro mundial é visto por Veiga(2005) como a ecossocioeconomia, com  distribuição de renda e alocação da receita governamental na resolução dos  problemas enfrentados pela massa populacional de baixa renda residente nas  cidades.

A urbanização enquanto crescimento desordenado leva também a pensar sobre o conceito de espaço público e privado e à relação de  interdependência entre pessoas e espaços, de forma espacial, econômica e social. O  meio ambiente como espaço de interação é disputado e ocupado de variadas formas,  buscando atender aos interesses privados. O interesse público deve ser regulado através da  ação governamental, em níveis locais ou agregados, de forma a adaptar o espaço e buscar o maior nível de satisfação geral, sem prejuízos maiores, analisando  expectativas para o futuro. 

O foco na Economia Verde é também capaz de amplificar a geração de  empregos, necessários no momento de choque da economia mundial, reduzindo assim os impactos da provável  ampla  e longa recessão brasileira que tem como destaque a elevada taxa de desemprego e informalidade. As grandes metrópoles  como espaços representativos do sistema capitalista com a elevada especulação do mercado imobiliário teriam  impacto reduzido na rotina do brasileiro médio, aglomerado nas grandes cidades com altos custos de vida, e o incentivo a uma ocupação mais ordeira do espaço seria capaz de ampliar o bem estar geral. Um sistema econômico esverdeado é capaz de realocar os centros de geração de empregos, reduzir a movimentação pela cidade e proporcionar um movimento de êxodo das grandes cidades para regiões com menores densidades populacionais, como foi visto durante a pandemia e o advento do “home office” onde foi notado o aumento da procura por espaços maiores e distantes dos centros urbanos. 

A busca por um PIB desmaterializado -que valoriza a revisão dos padrões exploratórios convertidos para modelos de tecnologia avançada- em melhor arranjo  produtivo é ainda pouco visto como meta da economia brasileira, que tem caráter  regressivo para os padrões mundiais de desenvolvimento, mantendo os costumes de exploração dos recursos naturais e despreocupação estatal quanto a manutenção dos espaços ainda preservados. A capacidade produtiva é ampliada a partir do desenvolvimento sustentável  visando às diversidades sociais, espaciais, econômicas, dentre outras, é fruto da maior  eficiência gerada através das indústrias de inovação, das novas formas de energia e  gerenciamento, da redução das externalidades negativas ao ambiente. Práticas como essas são saídas para o problema atual no contexto pandêmico, faltam, no entanto,  incentivos a nível federal. Por outro lado, a conjuntura construída no momento com a vitória democrata na eleição americana pode condicionar uma guinada ambiental  no território brasileiro, visando a proteger interesses econômicos. 

Sendo assim, é possível concluir que o direito à cidade, a partir de uma perspectiva de redução das desigualdades de renda e regulação estatal ampliada do  sistema ambiental para crescimento sustentável, é a forma mais eficiente acordada  entre nações para a retomada econômica e social após a crise do Covid-19. As  políticas ambientais - que muitas vezes foram vistas como limitadoras da liberdade do  homem - se tornaram enfoque dos governos eleitos durante a última onda neoliberal, e  agora são encaradas como a forma mais eficiente para a recuperação mundial. Concluindo, a  discussão destas políticas é de caráter urgente para que seja possível a retomada economicamente viável e ambientalmente sustentável nos países em desenvolvimento amplamente afetados pela crise de 2020, ainda sem fim previsto. 

Referencias: 

HAMMARSTRÔN, F F. B.; CENCI, D. R. “MEIO AMBIENTE E DIREITO DAS  CIDADES: uma interrelação necessária para o desenvolvimento de uma urbanização  sustentável”. 

CENCI, D. R.; SCHONARDIEZ, E. F.; “DIREITO À CIDADE: SUSTENTABILIDADE E  DESENVOLVIMENTO NO MEIO URBANO”. 

https://www.youtube.com/watch?v=p0L1tPgeJ7M


Emanuelle Ferreira Graduanda em Economia pela Universidade Federal do

Rio de Janeiro. Tem interesse na área de desenvolvimento

econômico, economia do meio ambiente e políticas públicas.


*Emanuelle participou do 1º curso do Desajuste, ocorrido em 2020. Fique atento para se inscrever nas próximas atividades do Desajuste e poder publicar em nosso Blog também.


Comentários

  1. Parabéns pelo lindo texto, Emanuelle! Gratificante ver uma autora tão jovem nos trazendo questões tão complexas mas, ao mesmo tempo, os apontando novos possíveis!!!!

    Parabéns pela iniciativa do grupo do Desajuste, que me pareceu estimular pensamento crítico acerca da economia e organização social, contribuindo para o desenvolvimento de ações e políticas públicas que contribuam, em última instância, para a vida!
    Um pouco de ar, nesse momento tão complicado! Parabéns aos envolvidos!

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