A importância da luta pela licença compulsória da vacina contra Covid-19, por Wilson Júnior

A importância da luta pela criação, produção e aplicação gratuita de vacinas massivamente está na ordem do dia, mas, produzida a vacina contra a Covid-19, qual o real quadro para atendimento de toda a população mundial? Qual tem sido o papel dos países ricos e em desenvolvimento para garantir a vacinação, indistintamente, de toda a população mundial?

Até março de 2021, existem 11 imunizantes em utilização no planeta, além de 261 vacinas em desenvolvimento e 79 em testes em humanos. A cada semana novas vacinas avançam no seu desenvolvimento e aprovação.

Segundo um estudo da Economist Intelligence Unit sobre as vacinas contra a Covid-19 no mundo, as nove principais empresas, em ordem de classificação, são:

  1. Pfizer (EUA) em parceria com a BioNTech (Alemanha);

  2. AstraZeneca (Anglo-sueca) em parceria com a Universidade de Oxford (Reino Unido);

  3. Moderna (EUA);

  4. Sputnik V (Russa), da empresa Gamaleya Centre;

  5. Vacina da SinoPharma (China),

  6. Coronavac do laboratório Sinovac Biotech (China),

  7. CanSino (China),

  8. Janssen, do grupo Johnson & Johnson – J&J (EUA);

  9. Covaxin, da Bharat Biotech (Índia).

As grandes farmacêuticas afirmam que sua capacidade de produção prevista para esse ano poderia alcançar 12,5 bilhões de doses. Só as nove principais acima mencionadas planejavam uma produção total entre 2020 e 2021 de 9,1 bilhões de doses.

Com uma população mundial hoje em mais de 7,8 bilhões de pessoas, e a vacina sendo aplicada em duas doses, a necessidade de doses para a imunização de toda população seria próxima a 16 bilhões. Embora com uma escassez de doses para imunização completa, para atingir a imunidade de rebanho, segundo a OMS, seria necessário vacinar em torno de 5,5 bilhões de pessoas, totalizando aproximadamente 11 bilhões de doses.

Mas em um sistema em que o lucro está acima das vidas, as saídas apresentadas pelos países capitalistas do Norte tendem a intensificar a crise, usando seu poder econômico para concentrar as vacinas em seus territórios e defender a propriedade intelectual das grandes corporações farmacêuticas, ampliando as desigualdades contra os países do Sul Global. Das 12,5 bilhões de doses planejadas para produção neste ano, mais de 5,4 bilhões já haviam sido encomendadas pelos países ricos, mostrando a imensa desigualdade na distribuição global.

Nos EUA, a partir da Lei de Produção de Defesa, que permite ao presidente obrigar as empresas instaladas em seu país a priorizar a fabricação para a segurança nacional, garantiu-se a produção de 100 milhões das vacinas da J&J com transferência de tecnologia para os laboratórios da Merck - liberadas para exportação caso o país não tenha mais necessidade delas. Contudo, os EUA têm hoje 30 milhões de vacinas da AstraZeneca estocadas no país sem serem utilizadas e podendo inclusive estragar, visto que a vacina ainda não teve autorização para o uso em seu território.

Não se trata de garantir a saúde de seu povo, mas o controle e concentração da produção em benefício dos lucros das empresas, contra a possibilidade de uma vacina que atenda a todas e todos. O que vem ocorrendo é um racionamento artificial feito pelas grandes corporações e laboratórios, que têm em seus planos o atendimento de apenas um terço da população global, utilizando a proteção das patentes e manutenção do monopólio como escudo a seu favor, como denuncia a People’s Vaccine Alliance.

 A Organização Mundial do Comércio (OMC) não chegou a um acordo em reunião realizada no mês passado sobre uma proposta de Índia e África do Sul para suspender as patentes de vacinas, medicamentos e insumos hospitalares para combater a COVID-19 enquanto durar a pandemia. A iniciativa de suspender as patentes foi apresentada em outubro de 2020 e tem hoje o apoio de cerca de 80 nações, mas é bloqueada por Estados Unidos, União Europeia e outras nações desenvolvidas. O Brasil é o único país contrário à ideia entre as nações de renda média e baixa.

Como opção para ampliar a vacinação, seria justamente utilizar a licença compulsória, que se dá quando o direito de exclusividade de quem detém a propriedade sobre um produto ou processo é suspenso temporariamente em casos de interesse público. Isso significa que outras empresas poderiam usar, vender e produzir esse item sem pagar royalties aos proprietários. A licença compulsória só foi utilizada uma outra vez no Brasil, em 2007. Na época, o governo do então Presidente Lula, decretou a quebra da patente do antirretroviral Efarivenz, do laboratório norte-americano Merck Sharp&Dohme, usado no tratamento da AIDS.

O conselho da OMC que discute propostas relacionadas ao Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (TRIPs) se reunirá novamente esse mês e, se houver consenso, esta pauta será levada ao Conselho Geral. Para ser aprovado, o texto precisa de consenso entre os 164 membros. A organização busca, por enquanto, a partir da aliança global Covax promovida pela Organização Mundial da Saúde (OMS), pela Coalizão para a Promoção de Inovações em prol da Preparação contra Epidemias (CEPI) e pela Aliança Global para as Vacinas (Gavi), construir um plano de distribuição das vacinas para os países mais pobres de forma gratuita, comprando das principais produtoras e recebendo doações dos países ricos.

Segundo a People’s Vaccine, foram mais de US$ 100 bilhões do dinheiro público destinados ao financiamento das vacinas, garantindo uma receita prevista de US$ 30 bilhões das três maiores corporações farmacêuticas neste ano. As vacinas são fruto de longos investimentos de recursos públicos, não podendo seus ganhos serem unicamente privados.






Wilson Júnior

Graduando em Ciências Econômicas pelo Departamento de Economia e Relações Internacionais da Universidade Federal de Santa Maria (DERI-UFSM). Tem interesse nas áreas de Políticas Públicas e Desenvolvimento Econômico.






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