Privatização dos Correios, por Eduardo Munaldi

Terça-feira, no dia 22 de abril de 2021, o presidente da Câmara Arthur Lira (PP-AL) tentou uma manobra para votar a urgência do projeto de lei (PL 591/21), enviada pelo Governo Federal, e que institui e autoriza empresas privadas a prestarem serviços postais - quebrando assim o monopólio constitucional e natural dos Correios brasileiros nas entregas de cartas.

A grosso modo, é uma tentativa de iniciar o que seria um processo de privatização da estatal nacional. Com muita resistência no Congresso, o projeto que garantiria que empresas do setor privado pudessem prestar serviços postais seria mais “palatável” na visão de um governo eleito com a promessa de reformas.

A privatização dos Correios ganha forma no momento em que há uma guerra de narrativas sobre o papel das estatais e os socorros da União em caso de déficits, o que, de certa maneira, é um jargão equivocado: “pagamos impostos e os Correios prestam um péssimo serviço”. Calzada (2009) diz que as privatizações estão inversamente ligadas aos custos para manter a universalização dos serviços postais. Aqui é importante salientar que mesmo pertencendo à União, os Correios são uma empresa independente com gestão e financiamento próprio. Os custos para manter o serviço universal são altos.

Além disso, como os Correios prestam um serviço público, não se deve fazer comparações com transportadoras privadas apenas por resultados financeiros. A estatal pode e deve ser autossustentável e gerar lucros (que em parte são destinados para uso da União) mas isso não pode ser o único critério de avaliação sobre a essencialidade dos Correios -  se devem assumir caráter público ou privado.

De Norte a Sul, Leste a Oeste, a ECT é a única empresa presente em todos os municípios do país. Com mais de 6 mil agências dos Correios, a estatal leva correspondências e encomendas nas mais variadas regiões do Brasil, seja no interior do Amazonas ou na Bahia. Suas atuações em todo o território nacional garantem o acesso universal aos serviços postais, o que é assegurado pela Constituição Federal. 

A Universalização do direito aos serviços postais na C.F é o que impede  governos de assumirem uma postura mais incisiva em relação à privatização da ECT. Como as empresas privadas buscam a maximização de lucros e redução de custos, levar encomendas e cartas a localidades distantes e pouco lucrativas não é do interesse das transportadoras. Muitas dessas corporações de logística, inclusive, são contratadas pelas pessoas e em regiões que só a estrutura do ECT está presente, ou seja, regiões mais afastadas, utilizam dos Correios para entregar as encomendas, uma espécie de terceirização do serviço.

A estrutura e a garantia da prestação universal  do serviço de correspondências no Brasil é um ponto para defender a necessidade da ECT estatal. Outro ponto relevante é desmistificar que a privatização dos Correios vai dar mais eficiência à empresa; na verdade, gerar mais eficiência é uma das principais bandeiras de quem defende as privatizações, como se automaticamente corporações privadas oferecessem um serviço impecável.

No entanto, tal visão não é correta. Segundo levantamento do Tribunal de Contas da União (TCU), a ECT teve um índice de eficiência de entrega no prazo de 97% em 2019 e reduziu em mais da metade as reclamações no Procon em 1 ano. Além disso, ter uma visão de maximização dos lucros não é o suficiente para dizer que empresas privadas serão mais eficientes. Em 2021, o site Reclame Aqui já carrega mais de 7000 reclamações de empresas de transporte de carga por atraso de entrega. Também há centenas de reclamações por péssima qualidade de serviço, entrega em endereço errado e atendimento ruim.

Há um leque imenso de estudos que tentam demonstrar os efeitos na eficiência das empresas pós-privatizações, mas pouco sobre os efeitos macro e distributivos das privatizações, os correios é um deles. Schuster, P.B. (2013) trouxe um artigo com experiências empíricas sobre.

Primeiro, tratou de fazer uma distinção entre privatização formal (controle e gestão) e de materiais (mudança de propriedade), os que visualizam apenas a eficiência em relação a segunda, não conseguem visualizar os demais efeitos macro e distributivos. Na pesquisa, sustentou 2 hipóteses para alcançar as conclusões, a primeira sobre os custos de financiamento para manter a universalização do serviço postal (USP) e a segunda sobre a melhoria da eficiência.

Para ele, com a privatização, a qualidade é afetada, pois os custos para manter a USP são elevadas, obrigando financiamentos dos governos e uma forte regulação para que os preços não sofram muito mais alterações. Nesse caso, os mais afetados são os mais pobres e de regiões interioranas.

Além disso, a qualidade está inteiramente ligada à cobertura e ao bem-estar empregados por ela. Os estudos formulados, que levam como uma das variáveis a densidade de agências dos correios, mostraram que em grande parte dos países analisados, houve uma redução significativa do número de escritórios para entrega e envio.





A Tabela traz o número absoluto de agências em 1980 e o comparativo com 2007. A Irlanda teve uma redução de 41% no número de escritórios, a Alemanha perdeu 56% de suas agências físicas. Se compararmos a diferença na densidade de escritórios/população, a queda foi mais significativa, de 53% e 67% respectivamente. 

Aqui é importante citar que nem todos os países levantados tiveram sua privatização no mesmo período, mas grande parte teve suas mudanças de propriedade (privatização de materiais) no período de forte liberalização da economia nos anos 80/90.

Com preços mais elevados, com a ausência de reguladores, e menos agências, a conclusão foi que o efeito das privatizações foi negativo para o bem estar da população. A cobertura diminuiu e a universalização do serviço postal para a sociedade foi afetada.

A ECT em toda sua história investiu e patrocinou a natação, o futsal, atletas de alto rendimento e categorias de base. Sua importância vai além dos serviços relacionados à logística. Mantê-la pública é garantir que todos os brasileiros tenham acesso aos serviços postais, que os esportes continuarão a ser patrocinados pelas estatais e que pagará um valor justo pelos serviços de envio e entrega. Não à privatização!

Referências

Schuter, Phillip. One for all and all for one: privatization and Universal Service provision in the postal sector. Disponível em: https://sci-hub.se/https://www.tandfonline.com/doi/full/10.1080/00036846.2012.727982?scroll=top&needAccess=true

Tribunal De Contas da União. Correios se modernizam e atingem 97% em índice de entrega no prazo. Disponível: https://portal.tcu.gov.br/imprensa/noticias/correios-se-modernizam-e-atingem-97-em-indice-de-entrega-no-prazo.htm

Reclame aqui, site. Disponível em: https://www.reclameaqui.com.br/categoria/transporte-de-carga/





Eduardo Munaldi

Eduardo é graduando em economia pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e ex-parlamentar juvenil do Mercosul representando o Espírito Santo. Se interessa por macroeconomia e desigualdades sociais.


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